terça-feira, 30 de agosto de 2011

Trecho de "Aí, mas onde, como" Julio Cortázar

"...Ontem, amanhã, não há nenhuma indicação prévia, ele está ou não está; nem posso dizer que vem, não existe chegada nem partida; ele é como um simples presente que se manifesta ou não neste presente sujo, cheio de ecos de passado e obrigações de futuro."

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

UM DIA DE HANK - PARTE 02




Senti os raios de sol passando pela janela tapada  pelos jornais mal pregados com fita adesiva. Eu estava com um gosto metálico na boca. Que porra de vinho era esse?!
Lembrei da entrevista.

- Caralho! Já deve ser umas.......FILHA DA PUTA!!! Aquela vadia levou meu relógio!

Bebi tanto que nem lembro se fodi a mulata. Olhei a carteira. Limpa. Vasculhei os bolsos da calça e achei uns trocados. Tenho que aprender a não trazer puta pra casa.
Levantei e quase fui ao chão de um escorregão. O chão estava uma poça de vomito só.
Sentei na cama e acendi um cigarro. Passei a mão pelo rosto e notei que teria que tirar a barba. E que horas seriam? A porra da entrevista estava marcada para as 8:30.
Levantei e desviei do vomito e de umas latas de cerveja vazias. O banheiro esta um lixo.
Mijei e tirei a barba. Deixei para cagar na volta, pelo movimento da rua eu não estava com tempo pra isso. Coloquei a mesma roupa da noite anterior e desci.

- Moça, que horas?

- 7:50.

- Agora fudeu tudo!

- Como senhor??

- Desculpe. Pensei alto. Obrigado.

Não tinha dinheiro para pegar um taxi. A puta tinha me fodido de jeito e eu nem ao menos fodi ela. Contei os trocados do bolso. Peguei um ônibus. O calor estava infernal. Ônibus lotado, um empurra empurra desgraçado. Todos dentro do ônibus estavam inquietos. Todos atrasados como eu. Olhei as horas no relógio do cara ao meu lado. 08:05. Talvez desse tempo, não era tão longe assim. O ônibus balançava a beça e meu estômago estava aos trapos. Reparei que um sujeito ao meu lado com cara de rato estava  se aproveitando do balançar do ônibus pra se esfregar numa garota a sua frente. A garota estava toda sem jeito e olhava angustiada para os lados. Na primeira curva que o motorista deu com mais velocidade, cravei meu cotovelo na ponta de suas costelas. O sujeito deu um pulo.

- Ops! Desculpa. Esses motoristas são uns fodidos. Pensam que estão transportando porcos. Fazem curvas a toda velocidade.

O sujeito so me olhou torto, passando a mão nas costelas. Queria ver se ainda tava com tesão pra se aproveitar da moça. Duvido muito, até meu cotovelo doeu. Passei pela moça e pisquei o olho pra ela. Ela me olhou com ar de agradecimento. A próxima parada era a minha. Desci e apressei o passo. Resolvi subir pelas escadas. Eram so três andares.

- Puta que o pariu! Que idéia de merda! - falei ofegante.

Demorei um século pra chegar ao terceiro andar. Minhas pernas tremiam. Vinho escroto!
Olhei o papel. Sala 308. De frente a porta me ajeitei, passei a mão no cabelo e Bati duas vezes. Uma velha com cara de bulldog abriu a porta e me encarou. Olhei rapidamente as horas no relógio pregado no fundo da sala. 08:40. Malditas escadas. Maldita puta. Maldito vinho. A velha continuou me encarando sem dar uma palavra.

- Bom dia. Vim para uma entrevista de emprego.

A velhota fez uma cara de azedo, olhou seu relógio de pulso e falou:

- Você é o candidato das 08:30?

Putz! Pensei. Me fudi.

- Sim senhora, é que...

- O senhor esta com sorte, o Doutor Madureira esta atrasado. Esta no meio de um engarrafamento por causa de uma greve dos bancários.

Viva os bancários. Pensei.

- O senhor vai ter que esperar um pouco.

- Sem problemas. Meu outro compromisso será so após o almoço.

Eu não tinha porra nenhuma pra fazer a semana toda. A velha me pôs numa cadeira na frente de sua mesa e continuou me encarando. Cheirava forte a lavanda barata. Meu estômago  deu umas voltas. O tempo passou se arrastando. O silêncio era aterrador. Olhei o relógio na parede. 10:25.

Malditos bancários! Pensei

A porta se abriu e um gordo com um paletó que parecia mais uma tenda de circo entrou enxugando o suor da testa com um lenço.

- Bom dia dona Vilma.

- bom dia seu...

O gordo suado passou direto e bateu a porta de sua sala sem dar chance da dona bulldog  
Perfumada a melar o bico. Uns vinte minutos depois o interfone toca e ela entra na sala. Mais uns trinta minutos se passam.

Será que o gordo ta enrabando a velhota? Pensei.

Olhei o relógio. 11:11. A porta de abriu e um cheiro forte de lavanda entrou direto no meu nariz. Meu estômago revirou. Maldita lavanda barata. Maldita velha. Maldito vinho barato.

- Senhor... Pode entrar.

A sala cheirava a uma mistura de lavanda e peido. O Gordo estava todo esparramado numa cadeira que parecia que ia desmontar em mil pedaços a qualquer movimento que ele fizesse.

- Sente por favor.

Sentei. Ele puxou um papel e começou:

- Quer dizer que o senhor tem larga experiência em injeção eletrônica?

- Sim senhor.

Não vejo nada de mais em acrescentar umas mentirinhas no currículo.

- E já foi supervisor técnico da Ford.

Putz! Essa acho que exagerei. Nem lembrava de ter escrito isso. Tenho que aprender a não fazer currículo mamado.

- Isso. - respondi

Ele sorriu e acendeu um charuto que parecia mais um cagalhão de tão escuro e fedorento. Meu estômago se contraiu ate ficar do tamanho de uma azeitona.

- Vejo que esta desempregado a um bocado de tempo para um currículo tão vasto.

Me olhou esperando minha reação e deu uma baforada de fumaça na minha cara. Foi o bastante. O jato de vomito foi direto na mesa de Formica cinza inundando tudo pela frente.

- PUTA QUE PARIU CARALHO! - Dona Vilma! Tira esse cuzão da minha sala agora!

Pensei se o que me restava do dinheiro daria para o ônibus e um jornal para ver as ofertas de emprego. Maldito Gordo! So me restava voltar pra casa e dar uma bela cagada.




Eduardo Ramos


terça-feira, 23 de agosto de 2011

UM DIA DE HANK - PARTE 01



 Desliguei a luz, fechei a porta e desci as escadas. Eram quatro andares. Desci de dois em dois degraus. As paredes gastas e amareladas tornavam o lugar mais decadente. Uma porta entreabriu e fechou logo em seguida. Algum morador entediado com a TV procurando vida ao vivo. Olhei a rua quase deserta. Olhei o relógio, 22:45. Fiquei na dúvida entre pegar um taxi ou ir a pé. Eram apenas dez quadras, resolvi caminhar. Acendi um cigarro e fui andando sem pressa. Dobrei a esquina e comecei a descer a ladeira. Eram meados de setembro e a brisa soprava constante no meu rosto. O céu estava com pouquíssimas nuvens e as estrelas se emaranhavam de tantas que haviam. Fazia tempo que não via um céu tão estrelado. Um bêbado de aspecto lastimável me parou e pediu um cigarro. Enquanto tirava o maço do bolso ele coçou o fundo das calças, que por sinal estavam aos farrapos, e perguntou:

-  O companheiro sabe a quanto fechou o dólar?

Entreguei o cigarro, fiz que não com a cabeça e continuei andando.

- Ei! Ei!

Olhei pra trás e era o bêbado novamente.

- Tens fogo?

Acendi seu cigarro.

- Obrigado companheiro. Vá com Deus.

No caminho dei de frente com putas, veados, esmoleis e drogados. Todos tentando alguma coisa comigo. Segui em frente sem dar atenção. Já havia feito minha boa ação da noite com o bêbado economista.

Chegando na porta do bar um taxista me aborda.

- Doutor, precisando de companhia pra noite é so falar comigo. São todas de primeira. Franguinhas selecionadas. Carne nova doutor!

Agradeci e entrei no bar. Sentei no primeiro banco que encontrei no balcão.

- Por favor um whisky e uma água.

O garçom so me olhou de canto de olho e trouxe meu pedido. O bar estava com todas as mesas ocupadas. Uma mistura de turistas, boêmios, bêbados e putas. Sem sombra de dúvidas não era ambiente familiar. Tocava alguma coisa meio merengue meio salsa. Nunca fui bom em diferenciar as duas. Que seja. Olhei para o copo e virei de um trago so.

- Mais uma dose amigo.

Logo o copo já estava novamente abastecido. A luz era pouca mais dava pra ver o semblante das pessoas. Todas meio sem vida. Poucas feições.Procurei um espelho ao redor para ver se eu aumentava as estatísticas. Fiquei em dúvida.

- Um cidadão que estava sentado ao meu lado que desde que eu cheguei não tirava os olhos da TV se virou e falou:


- Estes chineses vão dominar o mundo!

Olhei e dei um sorriso forçado..

E o sujeito continuou.

- Estes amarelos de merda vão fuder com o mundo! A economia vai se render a eles. Tudo é feito na China. Daqui a pouco vou dar um cagalhão e vai ter "Made in China" nele.

Fiz que concordei com a cabeça e ele logo voltou a olhar para a TV.  Mal terminei minha dose e ele novamente interrompe:

- Esses politicos sempre se safam. Esse ai subornou o juiz da...

- Ah, vai se fuder  - Falei pra ele e fui sentar na outra ponta do bar.

Ele ficou parado me olhando com cara de bunda mal lavada e ainda ouvi ele dizer:

- Esse cara é um maluco...

Que se foda ele e quem concordar. Tava cheio de papo trivial. Pedi mais uma dose e uns amendoins pra forrar o estomago. Eram 23:20 e o bar ainda estava cheio para uma quinta-feira. Lembrei que bem cedo teria que ir numa entrevista de emprego em uma loja de autopeças. O salário era um lixo, mas minha reserva estava no fim e logo teria que pagar o aluguel. Meu último emprego durou 23 dias como vendedor numa loja de roupas safadas. O Gerente me pegou tomando uns tragos no deposito no intervalo do lanche e me colocou na rua. O filho de uma puta nem imaginava que eu estava enrabando a Charlene, auxiliar do financeiro, que por sinal era sua filha.
Prefiro beber a comer. Me da mais animo.
Umas putas entraram no bar rindo alto e uma delas veio em minha direção. Era uma mulata bem alimentada e de sorriso largo.

- E ai, ta afim de companhia?

- Não to afim de trepar hoje, mas se quiser um trago eu pago.

Ela sentou e falou:

- Gil, o mesmo que meu amigo aqui ta bebendo.

Ficamos calados por um tempo e ela perguntou:

- Foi corneado ou despedido?

- Estou tão acabado assim – Eu perguntei

- Ta com uma cara de que comeu merda estragada.

Sorri. Era o que me restava.

- Mudei de idéia. Gostei de você. Vamos lá  pra casa.

- Gil, a conta.

Passamos numa loja de conveniência e comprei um garrafão de vinho barato. Precisava dar uma aliviada para a entrevista de amanhã.


 Eduardo Ramos