Mostrando postagens com marcador Eduardo Ramos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Eduardo Ramos. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Prazeres Frugais



O Vinho compartilhado
O Mar ouvido e olhado
Neruda sentido
Quintana absorvido
Abraço apertado
Sorriso frouxo
Chico e Bach
Vinícius e Cortázar
Olhar apaixonado
Pele macia e beijo molhado
Rede na varanda
Cheiro de livro novo
Vento no rosto
Sanduíche de pão com ovo
O sol da manhã
Conversa interessada
Saudade suprida
Banho demorado
Jardim florido
Céu estrelado
Silêncio reflexivo
Cheiro de terra e mato
Encontro de amigo
Chuva na janela
Pé na areia
eu e ela


Eduardo Ramos

segunda-feira, 5 de março de 2012

UM DIA DE HANK PARTE 03

Virei o resto de vinho que sobrava na garrafa. Olhei ao redor do quarto e só garrafas vazias espalhadas pelo chão. Abri a geladeira e nada além de umas coxas de frango azedas. Abri a carteira e encontrei uns trocados. Vasculhei os bolsos e encontrei mais um pouco. Garantiria mais uma garrafa. Desci as escadas e peguei a avenida principal. Da esquina avistei o mercado. Era por volta de meio dia de sábado e a rua estava movimentada. Dei alguns esbarrões mais nada que me incomodasse tanto quanto o calor. Meu pescoço fritava e eu procurava qualquer sombra pra aliviar daquele sol.
Tentei andar de maneira que não parecesse tão bêbado. Faltavam apenas uns 30 metros.
Na porta do mercado o balconista já avisava: “Nada de fiado companheiro!”
Puxei do bolso os trocados e mostrei a ele. Peguei o vinho mais barato e uns amendoins e voltei para o quarto. Na entrada dei de cara com o vizinho da esquerda. Um sujeito metido a certinho que no fundo eu sabia que não passava de um filho da puta tarado em crianças. Fiz de conta que não vi ele falando comigo e entrei. Abri a garrafa e tomei no gargalo. Já não sentia o sabor do vinho  e sim um amargo na língua. Liguei a TV e só passava merda. Não adiantava mudar de canal. Eram tantos e a metade eram religiosos tentando abocanhar o pouco do dinheiro dos desesperados. Desliguei. Tomei mais um trago. Deitei na cama e tudo rodou. Levantei. Resolvi dar uma volta. O quarto estava abafado e úmido. Na saída derrubei o vinho e perdi a metade da garrafa. Uma moradora ficou me olhando com ar de reprovação. Fodasse ela e sua vidinha de merda! Desci as escadas, que ficará mais difícil de descer que da primeira vez. O corrimão me poupou de alguns tombos. Dei de encontro com o sol que não me deu trégua. Virei o resto do vinho. Procurei o bar mais próximo. Fechado. Cruzei a principal e virei a esquerda. Enfim um bar se assim o puder chamar. Não me lembro de ver tantos olhos olhando o vazio como naquela espelunca. No balcão um sujeito me atendeu com uma cara de pouca conversa. Pedi um duplo com aguá. Ninguém se falava. Todos quase que estáticos a não ser pelo movimento de levar o copo a boca. Aumentei a estatística. Pedi outra dose. O ambiente era deprimente. Pouca luz, espelhos já esverdeados nas paredes não refletiam mais nossos rostos, e sim umas imagens disformes e bizarras. A música era indecifrável pois as caixas emitiam mais ruídos que acordes. No canto esquerdo do balcão um cara bateu o copo na mesa e olhou para o teto. Seu rosto era uma mistura de Bogart e Dafoe. Expressão cansada e rugas que lhe tomavam quase que todo o rosto. Pobre sujeito. Na certa perdeu a esposa ou emprego, coisa que comigo não seria motivo de bebedeira. Há tempos só me envolvia com vagabundas e vivia de bicos. Já estava na minha quarta dose quando um sujeito por volta de seus 50 anos entrou e sentou ao meu lado.
- Que dia quente eim.
- Moço, uma cerveja bem gelada!
Olhei e balancei a cabeça.
- Esta no escocês? Putz!
Dei um sorriso amarelo.
Este é meu defeito. Não sei ser simpático nem falso. 
- Esta aquecendo para o jogo?
- Escuta cara, o único jogo que gosto é corrida de cavalos. Não sou de muita conversa e so vim aqui pra virar uns tragos ok!
O cara me olhou torto e mudou de lugar.
Se quisesse conversar iria para o bingo fofocar com um monte de velhotas.
Pedi mais um whisky, virei e sai daquela espelunca. O sol tinha maneirado. Olhei o relógio. Aquela merda estava parada a uma semana e eu não tinha tirado. De que me importava a hora, não tinha nada marcado para as próximas 144 horas. Havia conseguido uma entrevista de emprego numa fábrica de alumínio na próxima quinta. Pagavam uma miséria mas estava precisando pagar o aluguel. Eu estava com quase dois meses parado depois de ter saído de uma loja de roupas por ter fodido a filha do gerente.
Precisava urgente de um cigarro. Nada nos bolsos. Nada de dinheiro. Caralho!
O que fazer numa tarde de sol fodido, sem dinheiro, sem cigarro, sem bebida e sem uma boceta pra foder?
Voltei pro quarto e mergulhei na cama.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Madrugadas Insalubres

Pela janela entre aberta já não entrava mas vento. Isto contribuía para lhe deixar mais sufocado dos que se sentia. Em sua escrivaninha papéis espalhados se misturavam com cinzas de cigarro. A noite estava calma, salvo latidos de um cão ao longe. Sentou, apertou os olhos como quem revira a memória atrás de lembranças perdidas e cerrou os lábios. Acendeu um cigarro, suspirou e por um momento se lembrou de seu primeiro cigarro. O dividiu com um amigo atrás da escola na hora do intervalo. Mas isso fazia muito tempo e muitos outros amigos vieram e sumiram como a fumaça de tantos que fumou. O latido do cão o fez voltar de seu passado. Suas mãos suavam e isso o deixava incomodado. Se levantou, foi ao banheiro e abriu a torneira mas ficou só olhando a água cair. Se olhou no espelho. Já não reconhecia mas quem estava a sua frente. As olheiras já proeminentes, os lábios ressecados, a barba por fazer e o cabelo mau cuidado contribuíam para isso. Sentou novamente e ensaiou escrever, mas a impaciência não deixou. Respirou forte e passou as mãos no rosto. Ficou alguns instantes imóvel e olhou para o relógio, 04:50. O sol daqui a pouco apareceria para mais um dia obvio, com pessoas obvias. Passou o cigarro entre os dedos, franziu a testa e balançou a cabeça em sinal de descontento. Para alguém que já sonhou em tocar as estrelas, não ter perspectivas para as próximas horas era algo no mínimo irônico. Passou os olhos pelo quarto sem direção e parou na janela. Já estava clareando quando abriu a gaveta e puxou um livro já surrado. Abriu com cuidado em uma página específica e ficou contemplando. Tirou de dentro um papel já amarelado e leu seu conteúdo. Seus olhos se encheram de lágrimas. Já nem lembrava mais o seu último sorriso. Se levantou rápido, como que fugindo dos pensamentos e guardou o livro. Era hora de ir trabalhar. Em frente ao trabalho ajeitou a camisa, respirou fundo e com um sorriso amarelo passou pela portaria e falou:

- Bom dia.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Por entre os dedos

Me abaixo e apanho uma concha. O vento levanta a areia branca que toca meus pés. As ondas estão pequenas, quase marolas. Tem pouca gente na praia, pois ainda é muito cedo e não estamos em temporada de férias. Um senhor com um bigode esquisito de seus 50 anos passa ao meu lado a passos largos fazendo seus exercícios matinais. Uma mulher baixa e gorda levando um cão a tira colo tenta acompanhá-lo. Olho para a concha em minha mão. Branca com rajas marrons e pretas. Dou uns passos a frente e logo as ondas me acertam os tornozelos. A água esta fria. Sinto um leve tremor no corpo, mas logo a sensação se torna agradável. O céu esta azul como nunca esteve. Quase não há nuvens no céu. O sol brilha como se estivesse no seu máximo e a areia reflete seus raios me fazendo cerrar os olhos. Ergo o braço e arremesso a concha de volta ao mar com toda minha força. Ela bate na água, resvala e novamente sobe esbarrando de frente com uma onda. Some. Por um momento desejei esta no lugar da concha. Um vendedor de cocos passa e me oferece um, dispersando meus pensamentos.

Volto para a areia e me sento perto de onde as ondas morrem, ainda tocando meus calcanhares. A maré parece que esta enchendo, a tirar pelas ondas que cada vez mais avançam em minha direção. O silencio é quebrado por gritos de crianças que brincam com seus castelos de areia.

Escrevo palavras soltas na areia com a ponta dos dedos que as ondas insistem em apagar. Maisuma vez tive um desejo. Desejei que as ondas apagassem minhas memórias assim como as palavras. Desligo-me alguns segundos do mundo, mas logo volto ao real. O mundo não deixa muito tempo para os sonhos.

Olho para os lados e vejo que a praia não esta mais tão vazia.

Avisto ao longe, quase que imperceptível, um barco que logo desaparece entre as ondas.

O sol já começa a queimar minhas costas e me levando novamente. Entro no mar e deixo as ondas me acertarem. Uma a uma golpeiam meu corpo me fazendo balançar. Mergulho. Silencio. Calmaria. A água não esta mais tão fria e a sensação e confortante.

Mais silencio. Abro os olhos, mas não enxergo nada a frente. Sinto as ondas passarem sobre minha cabeça. O tempo parece que passa mais devagar. Vem-me na mente momentos de minha infância e novamente uma sensação de bem estar. Mesmo em baixo d’água avisto o sol que me observa imparcial. Resta-me pouco ar nos pulmões mas mesmo assim ainda mergulho mais fundo e toco a areia abaixo de mim. Apanho um punhado de areia e subo. Puxo todo o ar que é possível e sinto-o inundando meus pulmões. Nado de volta a praia e deixo lentamente a areia me escorrer por entre os dedos, assim como minha vida.


Eduardo Ramos

Me dispo

Me dispo de tuas amarras
De teus vícios
E tuas superstições


De tua pele branca
e teus cabelos negros

Me dispo de teu sorriso largo
De teu cheiro perturbador
E tua nuca inevitável

De teu olhar raso
E de teus sentimentos Profundos

Me dispo de teus lábios poderosos
De tuas irrefutáveis coxas
E tuas frágeis mãos


E no final o que sobra...
Um tolo com um lápis e um papel em branco


Eduardo Ramos