terça-feira, 29 de março de 2011
Com toda calma
e a inveja me toma por alguns instantes
alcanço o céu, colho estrelas e entorno em teu caminho
faço o tempo passar mais lentamente
pra te observar com toda calma
pois é preciso calma para entender este vendaval
teu olhar desnudo transpoe minhas barreiras e me invade a alma
e o silencio inunda e entorpece minha mente
que de tao fragilizada, devaneia em teus movimentos incertos
O Pescador
O sol estava quase sem fôlego. Em um esforço inútil de tocar a lua, lançava seu últimos raios minguados aos céus. Esse, por compaixão, absorveu sua angustia e se torno rubro, como se vertesse sangue das nuvens. A lua, impoluta, de um branco prateado, não tomou conhecimento. Estava ocupada demais em fixar seu olhar ao mar. Não para seduzi-lo, mas para poder ver seu reflexo pairando sobre aquela imensidão. Mal sabia a lua que toda sua beleza era obra do sol e que seu brilho era apenas reflexo deste, que a abraçava a distância.
Quando terminei de ver aquele desencontro, o céu já estava se pintando de estrelas. Olhei ao meu redor e todos já se preparavam para partir. Resolvi ficar.
Em poucos minutos eu estava sozinho. O som das ondas quebrando me embalaram pensamentos. Não sei quanto tempo fiquei assim, mas quando dei por mim a noite já caia sobre meus pés.
Observei que ali perto, em pé diante do mar, uma pessoa olhava fixa no horizonte. Me levantei, sacudi a areia das mãos e caminhei ao seu encontro. Não sei o que me levou a faze-lo. Não sou de puxar conversa, quanto mais com um estranho, no meio da noite em uma praia deserta. Mas o fiz. Algo me atraiu.
Era um homem de idade já avançada, a pele escura bem surrada do sol. Seus cabelos eram de um preto ultimado. Vestia apenas uma bermuda e sandálias de couro baratas. Sua barba era volumosa e mal cuidada. Não desviou seu olhar de onde estava fixado ao me perceber chegando. Acompanhei seu olhar e permaneci em silêncio.
Ficamos assim por um bom tempo. O mar se arremessavam em nossa direção e em certo momento nos tocou os pés. Aquilo fez com que o velho despertasse de seu transe. Baixou a cabeça, respirou pesadamente e me olhou. Nada disse. Sorri e perguntei seu nome.
- Mestre Aldo
Sua voz soou firme como seu olhar.
- prazer, me chamo Kai.
O velho me olhou torto e disse:
- Que diacho de nome é esse!?
Sorri e expliquei:
- É de origem havaiana. Significa oceano.
Ele esboçou um sorriso.
- E o senhor sabe o significado do seu?
- do meu o que?
- do seu nome ora!
- não
- Eu também não faço idéia, mas espera um pouquinho...
Puxei do bolso meu celular e em menos de um minuto tinha a resposta.
Aldo: Significa velho, sábio, experiente. Indica uma pessoa que tem grande possibilidade de desenvolvimento espiritual, mas que não deve descuidar do lado material da vida.
O velho ouviu minhas palavras e saiu andando.
- Espere!
- Esta ficando tarde menino, vamos voltar.
Virou as costas para mim e tornou a andar.
- Espere! O que você faz aqui?
- Sou um velho pescador.
- Não, digo...o que você faz aqui na praia uma hora dessa?
- posso perguntar o mesmo do menino?
- Bem, vim ver o por do sol.
- O sol já se foi a bastante tempo. Outras pessoas também o vieram ver e já se foram.
O velho olhou para o céu e como esperasse uma explicação a aguardou.
- Olha, na verdade eu vim pra fugir um pouco da vida que estou levando. Vim espairecer. Tentar me encontrar saca?
- Hum...
Mestre Aldo não falou mais nada. So me olhou da cabeça aos pés e ficou me encarando.
- Agora posso saber o que você faz aqui numa hora dessa?
O velho olhou mais fundo em meus olhos, como estivesse invadindo meus pensamentos.
- O menino não se acha novo demais para já querer se encontrar?
- Eu tenho 22 anos e...
- Nos não temos uma idade certa para nos encontrar - Me interrompeu o velho pescador.
- Nós nos encontramos todos os dias. - continuou - No abrir dos olhos, no ouvir, nos encontramos nos momentos de alegria, nos de tristeza, nas perdas, nas vitórias, nas páginas de um livro, no saborear de um alimento, no amor e até no fim de um amor.
Respirei para tentar absorver tudo aquilo que escutei. Como poderia falar coisas tão profundas? O velho Aldo parecia nem saber ler e falava em livros!
- Sua mãe parece que sabía do futuro quando escolheu se nome né? Velho e sábio.
- Porque o menino acha que fugindo, seus problemas vão sumir? Não seria melhor ficar e puxa-los bem pra perto? Vendo-os de perto, somos capazes de encontrar detalhes e nos detalhes estão as soluções.
Pela primeira vez eu realmente olhei bem nos olhos do velho. Estava escuro, mas não tinha como não nota-los. Tinham um cor azul desbotada. Como se de tanto olhar o mar, seus olhos se tornaram parte da paisagem.
O efeito do sol castigou-o ao longo dos anos. Sulcos profundos marcavam sua face.
Era o rosto de um homem sofrido mas ainda com bastante vida.
O velho pescador voltou a falar:
- Nós as vezes precisamos ficar só, mas não para fugir da vida e sim para encara-la. Ela vai te dar muitos esbarrões, mas também vai te puxar pra perto, te acolher. Olhe o mar menino. O que você vê? A maré quando esta subindo açoita a praia com tanta fúria e logo em seguida quando esta baixando, a puxa com tal força que suga todos seus grão, mesmo os minúsculos. São idas e vindas. São encontros e desencontros.
Aldo terminou a frase estendendo o braço me apontando o mar.
- Eu estou sem palavras - Eu disse ao velho
Ele continuou olhando para o mar e falou:
- O que você esta sentindo não precisa ser verbalizado. Precisa ser sentido e transmitido.
Aquelas palavras entravam em meus ouvidos fazendo minha mente estremecer e ao mesmo tempo se inundar de sentimentos. O silêncio permaneceu por mais um tempo e ficamos escutando o chicotear do ventos nas palmas dos coqueiros. Resolvi depois de um tempo insistir.
- E você, pode finalmente falar o que estava fazendo aqui?
- Venho todas as noites olhar o mar, sentir sua presença. Ele me acolhe e acalma.
- mas você esta fugindo de algo?
O pescador sorriu pela primeira vez. Notei que lhe faltavam alguns dentes.
- Olha menino, pode não parecer, mas me criei na cidade. Assim como você, resolvi me esquivar da vida. Larguei família, trabalho e amigos. Vivo só desde então. Eu e o mar. O mar e eu. Eu sempre venho ao encontro dele na esperança de um dia ele me encontrar. Estou enfrentando a vida. Fugir dela nunca foi uma solução. Precisamos estar cercados de pessoas que nos fazem bem. Elas é que fazem a vida valer a pena. Eu abri mão destas pessoas, mais você menino, ainda está
O velho Aldo pousou sua mão em meu ombro e mais uma vez me invadiu a alma com seus olhos.
Por um momento tive a impressão de ver uma lágrima rolar de seu olho.
Baixei o olhar e fui de encontro ao mar. Parei quando as ondas me acertaram os joelhos. Senti o seu ir e vir. Olhei para o horizonte da mesma maneira que encontrei o velho pescador, absorvendo a vida. Abri os braços e deixe o vento me acertar. Tudo aquilo me fez lembrar de uma frase que vi em um filme.
"A felicidade só é plena quando compartilhada"
Um alivio imediatamente percorreu meu corpo. Como se as ondas me lavassem e o vento me varresse, me senti puro. Senti que era hora de voltar. Precisava agradecer a Aldo. Quando me virei vi que estava sozinho. Eu e a noite. Voltei para o hotel e dormi como não dormia há tempos. Pela manhã, antes mesmo do café da manhã, fui no saguão do hotel saber como chegar na vila dos pescadores.
- Bom dia. Você poderia me informar onde fica a vila dos pescadores, estou precisando falar com um pescador.
- Desculpe senhor mas não temos pescadores nesta área.
- Como assim não tem pescadores?
- Senhor, as correntes não favorecem a pesca nesta praia, mas se o senhor quiser lhe indico um restaurante que tem ótimas opçōes de peixes.
Não ouvi mais nada que a moça falou. Sai dali para o quarto tentando processar o ocorrido. A noite voltei a praia e esperei o por do sol. O velho Aldo não apareceu. Ainda esperei um bom tempo e nada. Talvez o mar o tenha encontrado finalmente. Pela manhã parti de encontro a vida.
Eduardo Ramos